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O último leilão de blocos de exploração do pré-sal no Brasil fracassou. Dezessete empresas estavam habilitadas para disputar os blocos, entre elas gigantes internacionais como a ExxonMobil, Shell, BP e Chevron. No entanto, todas declinaram. Analistas e investidores buscam justificar o baixo interesse de diversas formas. Há os que dizem que as regras complexas e a preocupação com o futuro do país fizeram com que os principais grupos de energia globais se abstivessem de fazer propostas em quase todas as ofertas dos blocos de exploração de petróleo e gás natural. Muitos acreditam que os investidores ainda esperam um pouco mais de clareza sobre o marco regulatório e além disso, se preocupam com a forma como a política e o ambiente econômico brasileiro se desenvolverão. Justificam que as incertezas geraram fracasso nos leilões de bloco do pré-sal, afetando o mercado de petróleo gás natural. Outros creditam o fracasso do leilão ao valor elevado do “bônus de assinatura”, uma quantia a ser paga antes de começar a extração. Há ainda os que acreditam que os investidores já acumularam muitos ativos nas últimas licitações e que estão concentrados na exploração do que compraram nos leilões anteriores. A Petrobras detém a maior parte da participação dos blocos leiloados anteriormente. Ela também foi a única empresa a apresentar proposta no último leilão, em que apenas um dos cinco blocos foi arrematado, tal fato foi interpretado por alguns analistas e investidores de que o Brasil ainda continua com economia protecionista. Por que será que nenhuma das grandes empresas globais do setor apresentou propostas pelos blocos? Por que os investidores estrangeiros têm demonstrado desinteresse pelo modelo brasileiro de concessão do pré-sal? Pretendo responder a essas perguntas até o final desse artigo. Ter grandes reservas no pré-sal é maravilhoso, mas não é o suficiente. O Brasil precisa fazer o petróleo e o gás natural chegar a quem precisa, mas para que isso ocorra é necessário muito investimento em infraestrutura para: a) extrair o petróleo e gás do pré-sal; b) construir uma rede de dutos para levar o petróleo e o gás natural para o continente; c) construir diversas Unidades de Processamento do Gás Natural (UPGN’s); d) construir uma rede de dutos que leve o petróleo e o gás natural para os consumidores industriais, para as termelétricas, para os estabelecimentos comerciais e residências. O Brasil precisa também prover um marco legal que promova segurança jurídica para o investidor e reduzir a participação da Petrobrás para atrair investidores externos. Sobre isso falarei em outro artigo, que publicarei em momento oportuno. Cabe agora uma pergunta com prognóstico de resposta negativa: será que o Novo Mercado do Gás Natural, que pretende baixar o preço do gás natural em 40%, será atrativo aos investidores externos? É importante considerar que a exploração de petróleo e gás natural, outrora atrativa, foi preterida pelos investidores no último leilão do pré-sal. Para que não haja dúvidas, vou responder a essa pergunta até o final desse texto. Há uma correlação de 95% entre o preço do gás natural e o preço do petróleo. Essa correlação justifica-se devido ao fato dos contratos take-or-pay estarem indexados ao preço do petróleo. Assim, é seguro prever os preços do gás natural acompanhando o mercado de petróleo. Historicamente, apenas catástrofes naturais e guerras justificaram altas expressivas do petróleo nos últimos 30 anos. Mesmo com o arrefecimento da economia mundial, nada indica que o preço voltará ao preços de 2002 (Figura 01). O preço do petróleo deve continuar nos próximos anos se mantendo abaixo do patamar de US$ 70,00. Até um possível corte de produção da OPEP, reduzindo-se a oferta de petróleo, não manteria os preços tão altos. Figura 01: Eventos que afetaram o preço do petróleo em 30 anos (ERSE, 2019) Quando comparado com outros países, observa-se que o preço do gás natural no Brasil é elevado. O Brasil ainda apresenta uma das maiores tributações sobre o gás natural quando comparado aos países europeus (Figura 02). Figura 02: Preços do GN no Brasil e Europa - Consumidor industrial (Eurostat, 2019)
Creio que chegou o momento de responder as pergunta enunciadas no decorrer do texto. Porque que nenhuma das empresas habilitadas a participar do leilão do pré-sal apresentou propostas pelos blocos? Porque os investidores estrangeiros tem demonstrado desinteresse pelo modelo brasileiro de concessão do pré-sal? Será que o Novo Mercado do Gás Natural, que pretende baixar o preço do gás em 40%, ficará atrativo para investidores externos, sendo que a exploração de petróleo e gás natural, outrora atrativa, foi preterida pelos investidores no leilão do pré-sal? A resposta para todas as perguntas citadas nesse artigo pode estar relacionada com a decisão dos EUA de investir na exploração de petróleo e gás não convencional, o shale gas. A atual posição americana no mercado de shale gas foi resultado de um longo processo de inovação tecnológica e investimentos. A exploração corre através da perfuração horizontal (directional drilling) e pela fratura ou estimulação hidráulica (fracking) que permite a extração de hidrocarbonetos líquidos e gasosos do subsolo, a partir do xisto. A revolução do xisto permitiu aos EUA produzir petróleo, gás natural e propano (GLP) e tem impulsionado a indústria petrolífera americana. Assim, os EUA dependem cada vez menos da Venezuela e do Oriente Médio e tem contribuído para o aumento da oferta dessas commodities mantendo os preços em um patamar mais baixo nos últimos anos. De quebra, os EUA reduziram o peso que a OPEP tinha no controle do preço do petróleo. O Governo brasileiro está tentando importar o modelo de transformação da indústria do gás natural ocorrida nos EUA e na Europa há algumas décadas. Porém, deve-se considerar que não somos os EUA nem a Europa da década de 90. Assim, é temerário “copiar e colar” aqui o que deu certo lá sem levar em consideração que nossa situação é diferente e que o mundo não é mais o mesmo. Nossa rede de distribuição de gás natural corresponde a apenas 1% da rede americana. O cenário mudou e o mundo não é mais o mesmo da última década do século passado. O Governo não está levando em consideração de que os americanos passaram a exportar mais petróleo do que importar. É a primeira vez que isso ocorre desde os primeiros registros iniciados nos anos 70, após o choque do petróleo provocado pela elevação promovida pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). A OPEP até apelou para a estratégia habitual de redução da oferta, mas essa ação, que funcionou por várias décadas para elevar os preços do petróleo e gás natural, não tem surtido o efeito desejado pelos países membros, pois há muita oferta do excedente colocado no mercado pelos EUA. Não foi à toa que as grandes empresas de energia reduziram seu apetite pelo leilão dos blocos do pré-sal. O excesso de oferta e expectativa de preços mais acessíveis para o petróleo e o gás natural para os próximos anos, levaram os investidores a acreditar que a exploração do pré-sal deixou de ser um excelente negócio. Em acréscimo, estamos passando por um período de arrefecimento da economia mundial (e dos investimentos) com a guerra comercial entre os EUA e China e com os efeitos do Brexit na Europa. Também não podemos nos esquecer de que o Brasil é ainda um país politicamente instável, que muda as regras durante o jogo, e onde há insegurança jurídica. Não há nada que afaste mais os investidores do que o desrespeito aos contratos e à falta de previsibilidade. O Novo Mercado de Gás Natural, se continuar no rumo em que está não alcançará nem 10% de redução no preço do gás. Em meus estudos e trabalhos, faço as análises coletando dados e informações de agências governamentais nacionais e internacionais, publicações da indústria do petróleo, gás natural e GLP, relatórios e balanços de comerciantes e distribuidores de gás, estudos de instituições acadêmicas e de diversas fontes que representam o estado da arte do setor. Não trabalho com “achismos” nem com informações de textos jornalísticos, que beiram o sensacionalismo. Meu objetivo é fornecer aos meus clientes e leitores um embasamento técnico para a tomada de decisão, minimizando os riscos e incertezas no processo decisório. Dr. Ronaldo Santana Santos Sobre as fontes de dados e informações Tenho acompanhado com atenção os movimentos do Departamento de Energia dos EUA e os dados da EIA - A Administração de Informações sobre Energia dos EUA. A EIA é uma agência do Sistema Estatístico Federal dos EUA responsável por coletar, analisar e disseminar informações sobre energia (carvão, petróleo, gás natural, propano, energia elétrica, renovável e energia nuclear). Na Europa, acompanho os dados e informações do Eurostats - Gabinete de Estatísticas da União Europeia, que é o órgão da Comissão Europeia que produz dados estatísticos para os países do bloco, e da ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, responsável pela regulação do setor elétrico e de gás natural de Portugal. No Brasil, acompanho os principais órgãos que, direta ou indiretamente, tem atuação no Novo Mercado do Gás Natural. Falarei resumidamente de alguns deles: ABRACE – Associação Brasileira dos Grandes Consumidores industriais de Energia e dos Consumidores Livres. Tem como missão congregar e defender os interesses das empresas concessionárias que atuam na geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, incluindo as termelétricas e o gás natural. ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Trata-se do órgão regulador das atividades que integram as indústrias de petróleo e gás natural e de biocombustíveis no Brasil. Vinculada ao Ministério das Minas e Energia é a autarquia federal responsável pela execução da política nacional para o setor. BACEN - O Banco Central do Brasil é uma autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional, sendo vinculado ao Ministério da Economia. Monitora a economia nacional e mundial, buscando garantir a estabilidade dos preços e o poder de compra da moeda, bem como fazer com que o sistema financeiro seja eficiente e seguro. CNI - A Confederação Nacional da Indústria é a instituição máxima de organização do setor industrial brasileiro. Tem por objetivo defender e representar a indústria na promoção de um ambiente favorável aos negócios e à competitividade. EPE - Empresa de Pesquisa Energética. Ela tem por finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras. É uma entidade independente vinculada ao Ministério de Minas e Energia. FGV Energia – É o Centro de Estudos de Energia da Fundação Getúlio Vargas. E responsável por produzir conhecimento de elevada qualidade e rigor acadêmico nas áreas de petróleo, gás natural, energia elétrica, nuclear, biocombustíveis, fontes renováveis e eficiência energética. IBP – Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis. É uma instituição que promove o desenvolvimento do setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Atua em defesa da indústria em todos os fóruns e audiências públicas em que se discutem a regulamentação, a tributação e a fiscalização do setor. Machado Meyer - O escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Opice é uma das maiores bancas de advogados do país. Foi selecionado pelo MME para estudar o sistema tributário brasileiro na indústria de gás natural. ME - Ministério da Economia. Trata-se do órgão que cuida da formulação e execução da política econômica nacional e da administração financeira da União. MME - Ministério de Minas e Energia. Temos aqui o órgão formulador de políticas públicas, bem como indutor e supervisor da implementação dessas políticas dentre diversos setores o de petróleo, combustível e energia elétrica, inclusive a nuclear. OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. É a entidade máxima de representação dos advogados brasileiros e responsável pela regulamentação da advocacia no Brasil. Petrobrás – A Petróleo Brasileiro S/A é uma empresa nacional dedicada à exploração e a produção de petróleo e gás natural. Tenho ainda acompanhado os estudos, balanços e relatórios das distribuidoras de gás natural e de GLP, além de acompanhar a agenda e os trabalhos de todas as Comissões envolvidas com o Novo Mercado de Gás Natural.
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