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1- Introdução Há muita insatisfação das empresas consumidoras de gases industriais com seus fornecedores de oxigênio, nitrogênio, argônio, CO2, hidrogênio e outros gases. Buscando entender melhor o nível dessa insatisfação, decidi pesquisar os valores envolvidos nos processos judiciais movidos pelas empresas consumidoras contra as empresas transnacionais produtoras e fornecedoras de gases industriais. Depois de um trabalho exaustivo e desafiante, fiz o somatório dos valores de todos os processos chegando a uma cifra impressionante como resultado. Nesse artigo vou apresentar passo a passo o procedimento metodológico utilizado para encontrar o somatório dos valores dos processos das empresas listadas na Bovespa. Adicionalmente, apresentarei algumas vulnerabilidades que fragilizam o trabalho das bancas de advogados que defendem empresas consumidoras de gases industriais contra as empresas fornecedoras de gases. 2- Um breve panorama sobre a Bovespa, a CVM e o Formulário de Referência Para facilitar a compreensão do texto para uma ampla gama de leitores, limitarei o uso de palavras e jargões utilizados na indústria de gases, no mercado financeiro, e no meio jurídico. Entretanto, faz-se necessário apresentar aos meus leitores uma breve apresentação da Bovespa, da CVM e do Formulário de Referência. A Bovespa - Bolsa de Valores de São Paulo é uma instituição que promove a negociação de frações do capital social de empresas que são comercializadas dentro desse ambiente controlado. Essas frações, conhecidas como papéis ou ações, são emitidas por empresas de capital aberto chamadas de Sociedade Anônima. A partir de 2008 a Bovespa e a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros), que negociava no mercado futuro, passaram a formar uma única bolsa, a BM&FBovespa. As regras de atuação na bolsa são estabelecidas pela CVM. A CVM – Comissão de Valores Mobiliários, vinculada ao Ministério da Fazenda, tem a missão de desenvolver, regular e fiscalizar o Mercado de Valores Mobiliários, que é utilizado como instrumento de captação de recursos para as empresas, protegendo o interesse dos investidores e assegurando ampla divulgação das informações. As ações negociadas na bolsa, assim como as cotas de fundos de investimentos, são exemplos de valores mobiliários. A CVM também aplica punições àqueles que descumprem as regras estabelecidas. O Formulário de Referência (FR) é um documento que as empresas de capital aberto são obrigadas a enviar anualmente para a CVM, encaminhado pelo departamento de Relações com Investidores das empresas, e que é disponibilizado para o público em geral. Em síntese, empresas brasileiras de capital aberto negociam suas ações na Bovespa, mas para isso precisam cumprir requisitos e normas definidas pela CVM. O FR é um dos diversos documentos que tais empresas devem disponibilizar anualmente. Ele está acessível ao mercado, ou seja, qualquer pessoa pode ter acesso ao seu conteúdo. Agora, com uma melhor compreensão da Bovespa, da CVM e do FR, vou apresentar o procedimento metodológico utilizado para chegar ao valor de R$ 1,5 Bilhão. 3- O Procedimento Metodológico da Pesquisa Para a realização do estudo utilizei os FR´s das empresas listadas na Bovespa. Utilizei esses documentos, pois todas as informações relevantes estão obrigatoriamente apresentadas lá para dar ao mercado um retrato verdadeiro, preciso e completo da situação da empresa. As empresas da Bovespa apresentam, nos seus respectivos FR´s, muitas informações, entre elas os riscos aos quais estão expostas e isso incluem os processos judiciais em que estão envolvidas, seja como Autora ou como Ré. A execução do trabalho foi realizada em cinco etapas sucessivas: 3.1 Pesquisa das Empresas Listadas na Bovespa O porto de partida para o estudo foi identificar todas as empresas listadas na Bovespa. Para fazer parte da bolsa, tais empresas são obrigadas a cumprirem uma série de requisitos, dificilmente atingíveis para organizações de pequeno e médio porte. A facilidade de obtenção de informações e a acuidade das mesmas, já que as empresas são obrigadas a disponibilizá-las, foram fatores determinantes para a escolha das empresas da Bovespa. 3.2 Triagem das Empresas do Setor de Atuação Como são muitas as empresas listadas na Bovespa, seria exaustivo, demorado e improdutivo fazer a leitura dos FR´s de todas as empresas (por volta de 350). A literatura especializada no mercado de gases direcionou-me para selecionar apenas as empresas que consomem gases industriais em grande quantidade, descartando as demais. Assim, fiz uma triagem das empresas, separando-as pela natureza do negócio, buscando identificar as empresas consumidoras de gases industriais que, segundo a literatura especializada, são as siderúrgicas, de celulose, petroquímicas, alimentícias, entre outras. 3.3 Coleta e Avaliação dos Formulários de Referência (FR) Tendo identificado as empresas alvo, a próxima etapa foi a coleta e leitura do FR de cada uma das empresas consumidora de gases, separadas na triagem. 3.4 Identificação dos Processos Judiciais e dos Valores Identifiquei as informações de processos judiciais relacionados às empresas fornecedoras de gases industriais, assim como o valor reclamado por cada uma delas, valor este que esperam ser pago pela empresa produtora que fornece os gases industriais. 3.5 Conclusão Nessa etapa, o resultado final é apresentado. A Figura abaixo sintetiza o procedimento metodológico utilizado. Após a coletânea dos valores das FR´s que apresentaram referência a processos judiciais contra as empresas produtoras e fornecedoras de gases industriais, fiz o somatório do valor contestado pelas empresas consumidoras. Assim cheguei a surpreendente cifra de 1,5 bilhões de reais. Como limitação da pesquisa há o fato de apenas as empresas consumidoras de gases que estão listadas no Bovespa serem incluídas no estudo. Entretanto, os maiores consumidores de gases industriais no Brasil são as grandes empresas, o que justifica a escolha desse grupo de empresas. Creio que se fôssemos incluir as pequenas e médias empresas (neste caso teria de utilizar outra metodologia, devido à inexistência dos FR’s) possivelmente chegaria a um número superior aos R$ 2 bilhões, já que estas empresas não utilizam os FR´s. É preciso ressaltar que ainda existem os hospitais, públicos e privados, que também demandam gases, ainda que estejam dentro de uma categoria de produtos designada de “gases medicinais”. Vou tratar agora um pouco mais dos processos judiciais movidos pelas empresas consumidoras de gases contra as empresas fornecedoras. 4- Bancas de advogados têm dificuldades na defesa de grandes consumidores de gases industriais Embora as empresas consumidoras de gases industriais tenham o suporte de algumas das maiores bancas de advogados do país, a notoriedade desses profissionais não garante maior chance de vitória nos processos que movem contra as empresas produtoras e fornecedoras de gases. Em minha experiência no mercado de gases, tive a oportunidade de estudar e me ater em alguns dos processos movidos pelas empresas consumidoras de gases. Obviamente, só tive acesso integral aos processos judiciais dos meus clientes. Embora as empresas consumidoras tenham o suporte de advogados renomados, pude observar vulnerabilidades que fragilizam as chances de sucesso nos processos judiciais movido contra as empresas fornecedoras de gases.
4.1 Importância do Conhecimento Técnico da Indústria de Gases Industriais As empresas fornecedoras e as consumidoras trabalham de modo diferente na estruturação do processo jurídico. Enquanto as empresas fornecedoras de gases fundamentam sua defesa nos aspectos técnicos, econômico, mercadológico e contratual, as empresas consumidoras ignoram os critérios técnicos. Quando cito os aspectos técnicos me refiro às unidades de medida, ao conhecimento dos equipamentos das plantas industriais, ao entendimento da capacidade e da flexibilidade da produção em uma planta (também chamada de usina) de gases, conhecimento do consumo específico de energia elétrica, familiaridade com o funcionamento do mercado cativo e o mercado livre de energia elétrica, etc. Não são apenas os advogados que tem dificuldades. Sabendo da complexidade da causa, o juiz designa um perito judicial para realizar uma perícia, com o acompanhamento de assistentes técnicos de cada uma das empresas, e emitir um laudo. Nesse momento as questões técnicas são ainda mais relevantes. A falta de um profissional com conhecimento e experiência na indústria de gases, que poderia municiar os advogados com dados técnicos relevantes, fragiliza os processos movidos pelas empresas consumidoras que, por sua vez, deixam de rebater os argumentos técnicos apresentados pelas fornecedoras. Tais argumentos, se bem fundamentados, podem influenciar na decisão do magistrado e até mesmo do perito judicial, caso este seja requisitado pelo juiz da causa para dar um parecer com um laudo técnico. Assim as empresas fornecedoras utilizam profissionais com experiência técnica na indústria de gases industriais que dão suporte aos seus advogados atuantes no processo. Já as empresas consumidoras contratam estudos mercadológicos e/ou de análise econômico-financeira para dar elementos para serem utilizados no processo pelos seus advogados, negligenciando os aspectos técnicos da indústria de gases. 4.2 Vulnerabilidades e Fragilidades Devem ser Corrigidas Não poderia deixar de dar um exemplo de um dos aspectos técnicos da indústria de gases industriais. Uma simples confusão com unidades de medida, como o normal metro cúbico e o metro cúbico, pode resultar em cobranças indevidas entre 5% e 10% superiores ao valor correto. Isso ocorre porque estas unidades de medidas estão relacionadas a uma determinada temperatura e pressão, adotadas como padrão, e também dependem da norma e/ou instituição utilizada como referência. Como muitos dos contratos de fornecimento de gases industriais possuem duração igual ou superior a vinte anos, uma grande fortuna pode ser cobrada indevidamente pela empresa fornecedora, valor este que em geral é pago inadvertidamente pela empresa consumidora. Quando tais erros são revelados, a recepção das “boas novas” é sempre conflituosa. Esperar que os advogados, economistas e os profissionais que desenvolvem estudos mercadológicos tenham familiaridade com as múltiplas questões técnicas inerentes a indústria de gases é uma estratégia arriscada (na verdade, neste ponto, há falta de estratégia) que fragiliza a possibilidade de vitória processual. Citei apenas um exemplo simples, que comprova a necessidade do conhecimento dos aspectos técnicos do setor, que pode gerar grande impacto financeiro. Há muitos outros aspectos técnicos a serem considerados com maior rigor de complexidade que são negligenciadas pelas empresas, tanto pelos seus advogados quanto pelas equipes multidisciplinares que assessoram que alimentam o processo com informações mercadológicas, econômicas e financeiras. Para não ser injusto, eu não poderia deixar de afirmar que a J. Lopes Advogados, um escritório advocatício especializado em defender consumidores de gases industriais e medicinais, compreendeu a relevância dos aspectos técnicos intrínsecos a indústria de gases muito cedo. Talvez por isso a Dra. Janete Lopes e sua equipe consigam resultados melhores do que as grandes bancas de advogados do país. 5- Considerações Finais Com a metodologia proposta, através da coleta de informações dos FR´s de empresas listadas na Bovespa, após o somatório dos valores, chegou-se ao resultado de R$ 1,5 bilhão. Esse é o volume financeiro contestado pelas empresas consumidoras de gases industriais na justiça contra os seus fornecedores de gases. Comprovou-se nesse estudo que a obtenção de informações utilizando-se os FR’s é um modo simples de obter informações confiáveis de valores envolvidos em processos judiciais. Ressalta-se que o FR não é a única forma de obter informações dos valores pleiteados por empresas em processos judiciais (os advogados que me leem sabem disso), mas a facilidade de obtenção e simplicidade de acessibilidade facilita a coleta dos dados para aqueles que não são advogados e não tem acesso aos processos. Não menos importante, apresentou-se também que há vulnerabilidades observadas nos processos judiciais, especialmente nas limitações de conhecimento técnico da área de gases, que não podem ser negligenciados pelos advogados. É preciso deixar claro que nem sempre a empresa Requerente (a Autora) vence e consegue obter o valor disputado na justiça contra a empresa Requerida (a Ré). Existe a possibilidade da perda do processo. Minha contribuição, como consultor especializado em gases industriais, é dar todo o suporte técnico necessário para esta hipótese não se materialize. Obviamente, quando um bom contrato é firmado entre empresas consumidoras e fornecedoras e é bem acompanhado durante seu período de vigência, dificilmente há demanda para brigas na justiça. Quando há problemas, em geral são resolvidos extrajudicialmente. Para que isso aconteça as empresas consumidoras precisam contar com profissionais habilitados para assessorá-las. Por razões estratégicas, não compartilhei todos os achados da pesquisa. Utilizo-me de estudos como esse para informar, posicionar e orientar os meus clientes – as empresas consumidoras de gases industriais e medicinais, com os quais tenho acordos de confidencialidade. Dr. Ronaldo Santana Santos
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