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Muitos dos meus clientes, as empresas consumidoras de gases e bancas de advogados que atendem a estas organizações, têm comentado que o mercado de gases industriais, medicinais e especiais no Brasil é muito confuso. Eles me fazem muitas perguntas: - Ronaldo, a Linde, passou a ser Messer? A White Martins é da Praxair ou é da Linde? Se a Linde é a maior do mundo, como a Messer sendo menor conseguiu dinheiro para comprar a Linde? A Messer é a Indústria Brasileira de Gases (IBG) que mudou de nome? Como ficam a Air Liquide e a Air Products com todas essas mudanças? As respostas para essas perguntas são muito simples, mas para uma boa compreensão dos meus leitores será necessário que cada um de vocês me dê alguns minutos de atenção. Antes eu preciso falar de estratégia, de economia, de estrutura de mercado e também de um pouco de história do mercado de gases. Quando falo de gases no texto me refiro ao mercado de gases industriais, medicinais e especiais. Embora eu venha a comentar brevemente sobre o gás natural, para falar do polo carboquímico do Estado do Rio Grande do Sul, esse gás não é o objeto de discussão nesse artigo. O Papel do Cade na estrutura do mercado de gases O mercado de gases industriais no Brasil e no mundo é controlado por um oligopólio, isto é, quando poucas empresas detêm o controle e domínio do mercado. No mercado de gases há elevadas barreiras de entrada que dificultam a entrada de novos competidores, favorecendo a manutenção do oligopólio. Para evitar prejuízo à livre concorrência, o Cade atua como órgão regulador. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, que exerce, em todo o Território brasileiro, as atribuições dadas pela Lei nº 12.529/2011. Essa lei estrutura o sistema brasileiro de defesa da concorrência; arranja sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. O Cade tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também é responsável por fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência. Um oligopólio, quando pouco fiscalizado, tende a formar um Cartel. Segundo o Cade, o Cartel é “qualquer ato que tenha por objeto ou efeito limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa pode ser considerado ilícito administrativo, além de poder configurar crime”. Um cartel pode envolver as seguintes práticas: a) fixação de preços, por meio da qual as partes definem, direta ou indiretamente, os preços a serem cobrados no mercado; b) estabelecimento de restrições / quotas na produção, que envolve restrições à oferta ou produção de bens ou serviços; c) adoção de prática concertada com concorrente em licitações públicas; d) divisão / alocação de mercados por áreas ou grupos de consumidores. Os participantes de cartéis sabem que estão cometendo um ato ilícito e, por isso, se valem de manobras que criam obstáculos à sua descoberta. A comunicação entre os membros do cartel ocorre de maneira sigilosa e com poucos rastros, o que dificulta o acesso à prova documental. O mercado de gases no Brasil não está imune a práticas ilícitas. A partir de investigações iniciadas em 2003, o Cade denunciou as quatro maiores empresas de gases do país, e diversos dos seus executivos, por formação de cartel e aplicou uma multa bilionária às empresas envolvidas (somatório de quase R$ 3 bilhões, em 2010). As companhias envolvidas negam a existência do cartel. O caso prossegue em batalha judicial, que é hora favorável e ora contrária às empresas envolvidas. Uma das formas utilizadas pelas empresas participantes de um oligopólio, para fortalecê-lo, são as operações de fusões e aquisições de negócios. Com o discurso de que vão reduzir custos com sinergias, as empresas demitem muitos dos seus colaboradores e acabam atuando na redução da concorrência, pois ao comprar as empresas concorrentes elas tiram outros competidores do mercado. Quanto menor é a quantidade de competidores, maiores serão os preços dos produtos e serviços ofertados pelas poucas empresas que permanecem. O Cade regulamenta essas operações, com o objetivo de fomentar a livre concorrência e minimizar os impactos negativos. Assim, cada país (ou grupo de países, como na União Europeia) tem o seu próprio “Cade”, isto é, o seu órgão de defesa da livre concorrência. Tais órgãos são também conhecidos como antitruste. No próximo tópico vou comentar brevemente sobre a dinâmica de fusões e aquisições no mercado de gases. As fusões e as aquisições estão no DNA das empresas de gases Sem entrar no rigor conceitual, uma fusão é a combinação de duas ou mais empresas que unem forças para formarem uma nova empresa, um negócio maior formado pela soma das partes. A aquisição de empresas diz respeito a compra de uma empresa por outra, sendo que a compradora assume o controle total da empresa adquirida. A fim de que você entenda a dinâmica existente no mercado de gases, comentarei como as empresas do setor têm ganhado posições no mercado através de fusões e aquisições. A americana Praxair surgiu como uma divisão da Union Carbide, quando esta fazia pertencia a Linde. Após o incidente de Bhopal em 1984, resultando na morte de milhares de pessoas na Índia, a divisão de gases da Union Carbide passou a ser designada de Praxair. Assim, a Praxair passou a fazer aquisições de inúmeras empresas tornando-se a maior empresa de gases industriais, medicinais e especiais dos EUA. Por sua vez, a alemã Linde comprou a AGA (2001), uma empresas de gases da Suécia, que era uma das maiores do mundo na época. Em 2006, dando continuidade a sua estratégia de crescimento através de aquisições, a Linde ultrapassou a Air Liquide e se tornou a maior empresa de gases do mundo ao comprar a britânica BOC, uma das quatro maiores produtores mundiais de gases. No tocante a Air Products, a empresa americana fracassou nas tentativas de compra da BOC (2000), da Airgas (2010-2011) e da chinesa Yingde Gases (2017). Ainda assim, obteve êxito na aquisição da Indura (Chile), maior produtor independente de gases industriais da América do Sul (ocorrida em 2012), e na compra da tecnologia de gaseificação da General Eletric (GE), concluída em 2019. Já a francesa Air Liquide, por sua vez comprou a americana Airgas, empresa muito forte e bem posicionada no mercado de gases a granel nos EUA. A Airgas acabou aceitando a quantia oferecida pela Air Liquide em 2016 (US$ 13,4 bilhões), mais que o dobro do valor ofertado na tentativa de aquisição hostil pela Air Products cinco anos antes. A japonesa Nippon Senso por sua vez, entrou forte no mercado dos EUA comprando a Matheson e a Tri-Gas, ambas americanas. Logo depois se juntou com a Taiyo Toyo Sanso, também japonesa, formando a Taiyo Nippon Sanso Corporation (TNSC). Por ocasião do desinvestimento exigido pelo órgão antitruste europeu para aprovar a fusão entre a Linde e a Praxair, a TNSC aproveitou a oportunidade e comprou (em 2019) os ativos da Praxair na Europa, fortalecendo assim a sua posição no continente. Por fim, semelhantemente ao ocorrido com a TNSC, a alemã Messer, a maior produtora independente de gases do mundo (empresa familiar), deu um passo ousado. Ela aproveitou a oportunidade da fusão entre a Praxair e a Linde e comprou (US$ 3.3 bilhões) os ativos da Linde nos EUA, Canada, Brasil, Colômbia, entre outros países. A operação de vendas dos ativos foi exigida pelos órgãos antitrustes de cada um dos países citados. Para realizar tais aquisições a Messer se associou ao CVC Capital Partner, empresa líder em gestão de fundos Private Equity, que entrou com o dinheiro para o investimento. Na Figura abaixo podemos visualizar uma timeline que sintetiza as fusões e aquisições no mercado de gases industriais. Em minha exposição, citei apenas algumas das aquisições realizadas por essas empresas, especialmente nas duas últimas duas décadas. Apenas para dar uma dimensão do apetite das empresas de gases para a compra de outras empresas do setor, somente a Airgas (aquela que comprada pela Air Liquide), tem um histórico de mais de quinhentas aquisições! Um panorama da entrada dos competidores no mercado de gases no Brasil Desde que quatro sócios, em 1912, fundaram a White Martins no Brasil, muita coisa aconteceu no mercado de gases nacional. Em 1915, os suecos chegaram com a AGA em nosso país. A Air Liquide chega ao Brasil, em 1945, com o nome de Oxigênio do Brasil. Em 1973, a Air Products chegou em Mogi das Cruzes – SP. Em 1974, a Linde se instalou no Brasil. Na Companhia Siderurgia Nacional (CSN) em Volta Redonda, compra e ela mesma opera fábricas de gases (também chamadas de usinas ou plantas) da Air Products (1974), Air Liquide (1977) e Kobe (1979). Com a expansão industrial do Brasil, diversas plantas de gases são instaladas em outras siderúrgicas, refinarias de petróleo, pólos petroquímicos e várias indústrias. Em 1992, a Praxair comprou a White Martins (mais de 50%), completando a compra anos mais tarde. No mesmo ano Newton de Oliveira, que foi presidente da AGA no México, fundou a Indústria Brasileira de Gases (IBG). Em 1995, a Oxigênio do Brasil passou a se chamar Air Liquide. No mesmo ano a alemã Messer chegou ao Brasil. Em 1999, foi a vez da BOC chegar em território nacional. Em 2004, a Messer vendeu a maior parte de seus ativos no continente americano, inclusive toda a sua operação no Brasil, para a Air Liquide. Em 2019, a Messer compra os ativos da Linde no Brasil. Com a fusão mundial entre a Linde e a Praxair, a White Martins passa a fazer parte do Grupo Linde. A Figura abaixo sintetiza a entrada dos competidores no Brasil. A partir de uma denúncia e das investigações iniciadas em 2003, o Cade denunciou as quatro maiores empresas de gases do país, e diversos dos seus executivos, pela formação de cartel e aplicou a maior multa (quase R$ 3 bilhões, em 2010) do órgão até os dias de hoje. O caso prossegue em batalha judicial, hora favorável e ora contrária às empresas envolvidas. As empresas negam cartel. Resposta às Perguntas
Agora fica muito fácil responder a cada uma das perguntas do início do texto. Vamos falar do presente, ou seja, de 2019. Vamos lá! A Linde passou a ser Messer? Os ativos da Linde do Brasil foram vendidos para a Messer. A venda dos ativos para uma outra empresa foi uma exigência do Cade para que a fusão entre a Linde e a Praxair (White Martins) fosse aprovada, no Brasil. A White Martins é da Praxair ou é da Linde? A White Martins era uma empresa do Grupo Praxair. A Praxair e a Linde passaram a ser uma única mesma empresa (fusão), adotando o nome da Linde. Logo, a White Martins agora é uma empresa do Grupo Linde. Se a Linde é a maior empresa de gases industriais do mundo, como a Messer sendo menor conseguiu dinheiro para comprar a Linde? A Messer não comprou o Grupo Linde, mas apenas os ativos da Linde em alguns países no continente Americano, entre eles o Brasil. De onde veio o dinheiro? Já falei no decorrer do texto do CVC Capital Partner, líder mundial em Private Equity, que entrou com o capital para as aquisições. A Messer é a Indústria Brasileira de Gases (IBG) que mudou de nome? A Messer não é a Indústria Brasileira de Gases. A IBG é uma empresa de capital nacional criada por um empresário brasileiro, Newton de Oliveira, que construiu sua carreira na AGA. A IBG possui fábricas na cidade de Jundiaí, no Estado de São Paulo, além de diversas estações de enchimentos de gases em cilindros em diversos Estados do Brasil. Durante muitos anos especulou-se sobre a venda da IBG para alguma das empresas transnacionais do setor, mas até momento nada de concreto ocorreu (sabemos que é só uma questão de tempo, não é mesmo?). É claro que o Newton vai negar que venderá a empresa, mas desde as minhas primeiras pesquisas sobre o setor, no tempo em que fiz o mestrado e o doutorado, aprendi que o oligopólio de gases industriais é como um comprador compulsivo com muito dinheiro na conta. Como ficam a Air Liquide e a Air Products com todas essas mudanças? A Air Liquide continua com uma posição importante no mercado brasileiro. É a segunda maior empresa de gases industriais do mundo, fortalecendo sua posição com a compra da Airgas nos EUA. A Air Products supera apenas a IBG no mercado de gases no Brasil. As operações da Air Products no Brasil, que ocupava uma posição de relevância nos negócios da empresa na América do Sul, perdeu o protagonismo regional para o Chile, local este onde a Air Products fez a aquisição da Indura. Além desse fato, há o incomodo de assistir a volta da Messer em posição de destaque no mercado nacional. A Air Products poderá vir a crescer exponencialmente no Brasil, caso o projeto do polo carboquímico no Rio Grande do Sul venha a sair do papel. No referido projeto, com investimentos estimados entre US$ 2,5 e 4,5 bilhões, a Copelmi Mineração pretende fazer a extração do carvão mineral do subsolo gaúcho enquanto que a Air Products produzirá gases industriais a partir do processamento do carvão. No entanto, pressões de ambientalistas, contrários à exploração do carvão mineral, podem dificultar a aprovação do licenciamento do polo carboquímico. Em acréscimo, os planos recentes do Governo Bolsonaro de baixar em até 40% o preço do gás natural, que competirá com o gás sintético a ser extraído do processamento do carvão, pode alterar a viabilidade econômica do projeto. Com o gás natural com custo baixo, dificilmente a Air Products Brasil conseguirá autorização da matriz americana para o mega investimento. Desde a perda financeira ocorrida na tentativa frustrada de aquisição da BOC, a matriz da Air Products tem sido mais cautelosa no uso dos seus recursos. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Considerações Finais Eu não me impressiono nem me surpreendo quando ocorrem fusões e aquisições no mercado de gases industriais. Não há nada de novo embaixo do Sol. É um mercado maduro, de mais de um século, que continuará efervescente por muitos anos. Por mais que eu quisesse passar uma mensagem de ânimo para os consumidores de gases, não seria prudente fugir da realidade. Uma certeza que tenho é de que os preços dos gases industriais, medicinais e especiais vão continuar a subir. Esse é um mercado à prova de crises para as empresas produtoras e fornecedoras, quer a economia esteja aquecida ou em recessão. As empresas fornecedoras são protegidas por contratos take-or-pay de longo prazo. Assim sendo, a insatisfação dos clientes consumidores de gases vai aumentar gerando grandes demandas, extrajudicial e judicial, entre as empresas consumidoras e produtoras de gases. Não sou contrário às empresas multinacionais e transnacionais. As empresas produtoras de gases são importantes e relevantes para a economia do nosso país. No entanto, defendo uma relação comercial mais justa entre as empresas consumidoras e fornecedoras de gases. É por essa razão que tenho dedicado minha vida profissional a pesquisar e, como consultor, prover soluções para problemas complexos de ordem técnica, mercadológica e contratual. Espero que, respondendo a todas essas perguntas, eu possa ter te ajudado a entender melhor as estratégias que alicerçam o mercado de gases. E atenção! Está na hora dos profissionais que trabalham nas empresas consumidoras de gases e os advogados que as defendem se informarem sobre essas questões, porque o setor de gases industriais não é para incautos, viu! Dr. Ronaldo Santana Santos
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